Time's up
02:580

     O meu avó, a minha mãe e o meu tio iam, todos os anos, passar férias ao Alentejo, mais precisamente ao Escoural, onde temos família. A minha mãe risse muitas vezes com o meu tio ao relembrarem juntos as grandes viagens que faziam, as horas a que tinham de acordar para chegarem lá antes do almoço. Falam de uma viagem que actualmente dura 1 hora. Eles entretinham-se a cantar durante as viagens, até músicas em francês… Quando chegavam à margem sul, começavam a ver as paisagens alentejanas e o meu avô que ia a conduzir a 4L branca virava-se para os filhos e dizia:
‘’Alguém leva fome?
 (olhando para os fardos de palha que naquela altura eram cúbicos, e hoje em dia são cilíndricos)
 Se sim, peguem numa carcaça de arames dessas para cada um !’’

     Quando nasci, tudo acabou por mudar. Íamos lá de vez em quando, visitar os nossos primos, conversávamos, dávamos uma volta pela a aldeia e por vezes, acabávamos por ficar para jantar. Naquela altura, eu e o meu pai, dávamos comida às galinhas que estavam na capoeira, ao fundo do quintal. Apanhávamos fruta que a minha prima fazia questão de oferecer. Muitas gargalhadas dávamos nós com o nosso primo já velhote, o primo Joaquim.

     
     Para ser sincera, não dava muita importância às vezes que visitávamos o primo Chico, irmão da minha prima Umblina. Esperávamos que ele viesse das grutas, onde trabalhava, para lhe dar um beijinho. Não tiro valor ao homem super querido e muito simpático que sempre foi. Não sei explicar porquê, mas parecia que cada vez que ele me via ficava com um brilho nos olhos, o mesmo de todos aqueles que sempre gostaram de me ver crescer. Sim, eu via-o menos de dez vezes por ano, mas eu gostava de o ver bem, o sorriso dele confortava-me, mesmo que eu não fizesse questão de ficar muito tempo. Eu gosto muito dele.

     De novo, tudo mudou. E não tenho desculpas para a mudança desta vez, a não ser o facto de agora ter mais coisas para fazer e ocuparmos as nossas tardes de quarta-feira com outros programas. Agora, vamos lá, eu e os meus pais uma vez por ano e vamos buscar a minha prima quando ela está menos bem.
De todas as vezes que lá vamos, não há uma que passemos sem ir ver o meu primo Chico. Mas da última vez que estive lá, tive uma surpresa. Uma surpresa negativa. O meu primo está dependente da mulher e mais em baixo que nunca. O pior de tudo, é que esta doença não lhe afecta só o andar, não são só dores físicas. Esta doença toca-lhe o coração. 

E, desta vez, ele nem me conheceu. 

     O que me doeu mais foi a frieza do seu olhar, o pouco movimento. Ele não tem noção do quanto encheu os meus dias, e do valor que tem para mim. E não sei explicar porquê.

Primo, peço-lhe desculpa se não o fui visitar mais vezes, perdi a noção.
Obrigada por tudo.



Aquele senhor está preso no próprio corpo.
No próprio pensamento. 
Libertar-se?


Margarida Salsinha

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